segunda-feira, novembro 23, 2015

"Sem princípio, meio, ou fim." - A análise (definitiva!)



NOTA: Augusto Nogueira, actual director da Escola Secundária com 3º Ciclo Dom Dinis, de Coimbra, foi meu professor de Português na Escola Secundária de Soure, nos anos '90. Como docente e ser humano é extremamente carismático, de tal forma que, volvidos muitos anos, é o único professor daquela fase da minha vida com quem ainda mantenho contacto. Por isso - por me conhecer ainda adolescente e ter acompanhado aquilo que fui tornando até hoje -, pelo facto de ser um amante da Literatura e por, juntando essas razões, ser a pessoa mais avalizada para o fazer, arrisquei tudo - correndo o risco de ser tecnicamente dizimado por "quem de direito" - e pedi ao s'tôr Augusto que lesse o meu livro "Sem princípio, meio, ou fim." e no final partilhasse a sua análise da obra - escrevi-o, de resto, na mensagem que lhe dediquei quando assinei o exemplar que seguiu para Coimbra. Temi o que fiz, confesso. Senti até ligeiro arrependimento dessa ousadia. Hoje, sinto-me esmagado - da forma mais positiva possível! - pela resposta, pela análise, pela surpresa de ler o que li na volta do... e-mail. Com um imenso agradecimento ao Professor Augusto Nogueira - que já lhe fiz chegar - e com uma única nota para o facto de, tal como o Professor, também eu preferir o termo "estórias" em vez de "histórias" (só não o utilizo porque normalmente não é bem entendido pela maioria dos leitores), aqui fica - sem mais palavras minhas - a transcrição da análise de Augusto Nogueira à obra "Sem princípio, meio, ou fim."


* * *


        Começando pela dedicatória, permite-me que te diga que a mesma e o tal desafio “público” me honram bastante. Depois, dizer-te também que a obra ultrapassa tudo o que te ensinei.

        Se pensarmos que a missão de um professor de Português é potenciar as capacidades criativas, linguísticas e interpretativas, entre outras, de um aluno, só posso concluir que a minha missão foi cumprida. Há, porém, felizmente, alunos que conseguem ultrapassar e superar tudo o que lhe é ensinado. Ao longo da vida acrescentam muito mais ao que aprenderam na escola através do seu labor, da sua criatividade, do seu talento, do seu génio. Aqui, o discípulo ultrapassa o mestre. Regozijo-me com o facto!

        O título “Sem princípio, meio, ou …” é também uma expressão que se costuma usar para designarmos algo sem sentido. Direi que a maior parte das histórias dos “pequenos contos” têm uma espécie de “non sense”. Efetivamente, algumas histórias são desconcertantes, com desenvolvimento imprevisto e surpreendente. Surge-nos, pois, uma primeira característica dos “pequenos contos”, mas onde o surpreendente não deixa de ser ousado e criativo. 

        Curiosamente, vejo o autor, sentado na segunda fila de cadeiras da esquerda, na última, se não estou em erro, e que por vezes fazia comentários também eles desconcertantes, mas movidos pela pertinência e ousadia. Ou dirigindo-se no fim da aula à minha secretária com comentários “provocadores” e “desafiantes”. Já nesses momentos se manifestava o génio criativo que agora está patente nos contos.

        Retomando, a maior parte dos contos, desconcertantes como já afirmei, acabam por ter muito sentido, pois o princípio, o meio e o fim ficam ao critério do leitor (como somos alertados ou informados na introdução). O que será da literatura quando o leitor não construir com o narrador a obra? Portanto, são contos de construção conjunta e a este nível também são desafiantes. Não é por este motivo que uma narrativa escrita é de longe superior a uma qualquer encenação teatral ou fílmica? A resposta é essa: no livro, o leitor constrói também. 

        Quanto ao desafio plástico, fico a perder e não consigo acompanhar, muito menos completar. Nunca tive jeito para desenho…

        “Sem princípio, meio, ou…” remete-nos, como dizes e muito bem, para “histórias” onde não há um antes ou um depois, um fim. Há o momento, o instante. Por isso, para mim, os teus contos são instantes, “flashes” narrativos da vida de personagens ficionadas e/ou reais. Daí que, numa primeira comunicação minha, até utilizei o termo “estória”, termo que os brasileiros usam para distinguir a “história” e “estória”. Sempre concordei com eles nesta matéria, pois factos grandiosos, de história de um povo, da vida de uma família ou de uma pessoa não é o mesmo que “estórias” curtas e momentâneas. Vou retirar o termo “estória” porque me parece não ser do teu agrado e fiquemo-nos com histórias. 

        Neste âmbito, não posso deixar de te parabenizar novamente porque é notório que temos um narrador/autor que foi capaz de fixar do mundo real pessoas com quem tenha se tenha cruzado, convivido ou histórias que tenha ouvido. Captar o mundo real, filtrá-lo e ficcioná-lo não está ao alcance de todos.

        Outro dado cativante dos teus contos diz respeito às personagens das histórias. Em histórias tão curtas não há tempo para as personagens serem trabalhadas ou se manifestarem em riqueza ou densidade psicológica, pelo que ficamos com uma pincelada muito vaga. Nesta linha, vemos desfilar personagens vulgares, populares, de baixa condição social, aproximando-se de personagens pícaras. Isto é, não o herói, dotado de caraterísticas ímpares, mas o vulgar que, se for preciso, recorre a meios de baixa moral. No meio desta “passerelle”, confrontarmo-nos com personagens e histórias interessantíssimas e a sua identificação é uma manifestação de preferência minha: a “Maria Severa de Linda-a-Velha, “ O Relojoeiro”, “António Frasco”, O Sr. Presidente”, “Filomena Aviadora”, e “A César o que não é de César”. Diria que em algumas delas a personagem se aproxima da poesia da vida…

        Por último, quero referir a dinâmica narrativa. Os contos lêem-se num ápice. Como são curtos e entusiasmantes, queremos conhecer a personagem que se segue, ver o próximo a desfilar. Quero dizer, que há dinâmica, há vida nas personagens e na narração. 

        Como corolário, qual cereja no topo do bolo, a ironia subjacente a todas as histórias e personagens. Mas não vejo uma ironia desdenhante ou altiva, pelo contrário, vejo uma ironia carinhosa e manifestadora de apreço pelas personagens.

        É o que tenho a dizer-te, Marco, sobre o teu “Sem princípio, meio, ou…” 


        Um grande abraço e muitos êxitos.

        Adémia-Coimbra, 22 de novembro de 2015


                           Augusto Nogueira






























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